Reflexão - A amizade em Santo Agostinho
Reflexão - A amizade em Santo Agostinho
Ao escrever
sobre a questão social em Santo Agostinho, deparei-me com algumas passagens que
falam da vida feliz, como expectativa plena da esperança. No tempo presente, “a
demonstração dessa felicidade é a amizade” (Gn.litt.,16).
Pensei,
então, em partilhar algumas dessas considerações agostinianas, para que, “entre
os afetos da alma”, possamos, no seu dizer, “fruir de Deus”:
“Como nos consola, nesta humana sociedade, plena de enganos e
tribulações, a confiança sincera e o mútuo amor dos verdadeiros e bons amigos”
(De civ. Dei 19,8).
Aliás, Agostinho
foi o primeiro autor cristão a elaborar uma teoria sobre a amizade. Cícero viu
a amizade como uma virtude política, própria dos grandes estadistas. Agostinho
o cita, por diversas vezes: “A amizade, retamente e justamente, foi definida
como comunicação, como benevolência e amor, de coisas humanas e divinas”
(Cícero, Lael. 6,20, citado por Agostinho
in Acad. 3,613; ep. 258,1).
Santo Agostinho
a transforma num dom divino, no qual a atração e a delícia se unem à caridade
cristã, oferecida a todos. No desejo de que seus amigos, que conviviam com ele
em comunidade, cultivassem a amizade, ele ressalta a importância da comunicação
mútua:
“Se dois
homens de língua diversa devessem viver juntos e não pudessem se comunicar
entre si, permaneceriam incompreensíveis um ao outro, mais do que dois animais
da mesma espécie, pois nada vale a semelhança de natureza; a tal ponto que o
homem prefere estar com o seu cão que viver com alguém com o qual não consiga
se comunicar” (Ibid., 19,7).
Em
sua experiência pastoral, ele constata que, por habitarem na mesma casa, os seus
moradores deveriam ser mais amigos; alguns deles, ao invés, alimentam outros
sentimentos:
“A paz é um
bem incerto, porque não conhecemos o coração daqueles com os quais queremos
conservá-la, e, se hoje, pensamos conhecê-lo, não sabemos, certamente, como
será amanhã” (Ibid. 19,5).
Daí a fórmula
consagrada por ele: “Pax omnium rerum
tranquillitas ordinis” (Ibid.,
XIX,13). A paz de todas as coisas é a tranquilidade, que nasce da ordem, ou
seja, do preceito de não fazer mal a ninguém, mas de se solidarizar com todos,
quaisquer que eles sejam.
Princípio
singelo, envolvente, apresentado como indicativo precioso para a convivência,
que estaria alicerçada no amor a Deus:
“Não se funda
e não se protege uma cidade, como convém, a não ser que ela tenha, como
fundamento e como vínculo, a fé e a concórdia; mas a fé e a concórdia não
existirão, caso não se ame o bem comum, que é o sumo e verdadeiro Deus, e os
homens não se amem, sinceramente, uns aos outros, em Deus; pois eles só poderão
se amar caso se amem, sinceramente, por causa daquele, a quem não se pode
ocultar o sentimento com que amam” (Ep.
127,17).
É
bom notar que, para Agostinho, o corpo se move no tempo e no espaço, mas a alma
só no tempo, reunindo o presente e o futuro. A força (moto) que os reúne é
afetiva, motus affectum: a amizade,
cujos frutos seriam a paz e a unidade entre os homens.
+Dom Fernando Antônio Figueiredo, ofm
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