Reflexão do Evangelho de Domingo – 09 de Março
Reflexão do Evangelho
de Domingo – 09 de Março
Mt 4, 1-11: Tentação
de Jesus no deserto
O batismo de Jesus
assinala ser Ele o verdadeiro “Ungido”, o eleito de Deus. De fato, Deus vem a nós
e, no seu amor, entra em nossa história e, na pessoa de seu Filho Jesus, estabelece
seu Reino de amor e de paz. Eis a missão de Jesus! Antes de iniciá-la, Ele sente
necessidade de um tempo de jejum e de oração. Escreve o evangelista S. Mateus:
“Ele foi conduzido pelo Espírito através do deserto durante quarenta dias, e
tentado pelo demônio”. O deserto era
considerado um lugar de recolhimento e de oração, e, popularmente, era também
visto como um espaço reservado ao espírito maligno. Para os monges, ele
constituía o lugar de combate espiritual para poder “saborear a doçura de Deus
em uma sensação de total liberdade interior”. Em humilde abandono, eles suspiravam:
“acendamos em nós o fogo divino entre esforços e lágrimas”. Convite para não se
deixar dominar pela ideia de um agir autônomo, supérfluo e ilusório, mas para
se colocar do lado de Deus.
A
tentação pretende, principalmente, purificar e provar se alguém está ou não devidamente
preparado para realizar a missão que lhe foi designada. Na história bíblica, o exemplo incisivo é o de
Abraão, provado em sua fé, antes de receber a promessa de ter “uma posteridade
tão numerosa como as estrelas do céu e quanto a areia que está na beira do mar”
(Gn 22,17). No deserto, confiando no Pai, Jesus mostra-se fiel à sua missão,
numa luta incessante, não diretamente contra o mal, mas contra as ilusões e pretensões
de um futuro melhor, que lhe é apresentado pelo tentador como algo concreto e
real. Para Ele, Deus não é uma ilusão, ele é o seu Pai, aquele que o enviou como
redentor e salvador da humanidade. Em Jesus, as tentações ou as tentativas para
desviá-lo do cumprimento da vontade do Pai, transformam-se, ao invés, em manifestação
do que é pertencer a Deus e ser fiel à missão, conferida por Ele. Nesse sentido,
as tentações preanunciam as contradições, acusações e ataques que Jesus sofrerá
ao longo de sua vida pública. O que é também significado pelo número quarenta -
“depois de ter jejuado 40 dias e 40 noites” – o que nos remete aos 40 anos de
Israel no deserto, tempo de intimidade com Deus, e aos 40 dias que Moisés
passou no monte Sinai.
Com
efeito, as tentações precedem as acusações e os escárnios de seus inimigos, que
ocorrerão durante sua missão e junto da cruz: “Se tu és o Filho de Deus, então
desce da cruz...”. Agora, o tentador pede que Ele transforme pedra em pão. Ora,
“não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, diz
Jesus. Assim, caso abramos o coração à Palavra de Deus, Ele saciará a fome de nossos
corações e nos impelirá a partilhar o pão com os que passam fome. A segunda
tentação fala-nos das vezes muitas em que seus adversários, em sua vida
pública, demandam-lhe um sinal para provar sua identidade, como agora o
tentador lhe pede para “lançar-se do alto do Templo, para que os anjos o
tomassem pelas mãos”. “Não tentarás ao Senhor teu Deus”, responde Jesus. No
momento oportuno, segundo os desígnios divinos, Ele saltará não do pináculo do
Templo, mas, num ato de amor para com os homens, Ele descerá ao abismo da morte
para ser acolhido pelas mãos do Pai, que o ressuscitará ao terceiro dia.
Finalmente, no alto do monte, o tentador lhe oferecerá as riquezas materiais do
mundo. A resposta do Senhor: “Ao Senhor teu Deus adorarás e a ele só prestarás
culto”, transporta-nos a outro monte, em que Jesus falará das bem-aventuranças,
fonte das riquezas do amor e da misericórdia divina.
A tentação perde sua
força e a tentativa de desviá-lo do Pai se esvazia, pois o verdadeiro bem do
homem, reafirma Jesus, é Deus. O tentador é vencido. Mais tarde, os discípulos,
também as multidões, serão tocados por um temor sagrado diante do poder sobrenatural
que sua presença irradia. Às sugestões do demônio, ele refuta com as palavras
das Escrituras, não se deixando seduzir pela atração do poder, do prazer e das
glórias humanas. O demônio sente-se derrotado. Vitória de Jesus, manifestada ao
longo de sua missão, não unicamente pelos milagres, mas, particularmente, pela
ação de sua Palavra, convertendo os corações e renovando a vida de multidões.
No entanto, ficamos
pasmos ao ler: “Conduzido pelo Espírito Santo, Jesus é tentado”. Mas não é Ele
é o Filho de Deus encarnado, vencedor do mal e do pecado, aquele que antecipa a
transfiguração de seus seguidores e, mesmo, do mundo todo? O que significa,
então, ter sido ele tentado? Na Bíblia, o verbo “tentar” significa atrair para
o pecado ou desviar-se de Deus. Acepção que prevalece, até hoje, na mentalidade
de muitos cristãos. Jesus é eternamente fiel ao Pai, jamais dele se desvia, por
isso, escreve S. Gregório Magno: “Sabemos que na tentação, há três graus ou
fases: a sugestão, a atração e o consentimento. E nós, quando somos tentados,
nós vamos geralmente até a atração, ou mesmo até o consentimento. Pois,
nascidos da carne do pecado, trazemos em nós o combate que devemos manter. Mas o
Filho de Deus que, encarnado no seio da Virgem, veio ao mundo isento de pecado,
não trazia em si nenhuma contradição. Ele pôde ser tentado até à sugestão. A
atração maldosa, porém, não teve nenhum lugar em seu espírito. Por isso toda a
tentação diabólica se passa no exterior, não no seu interior”.
Dom Fernando Antônio
Figueiredo, OFM
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