Reflexão do Evangelho de Terça-feira – 04 de Março

Reflexão do Evangelho de Terça-feira – 04 de Março
Mc 10, 28-31: Recompensa pelo desprendimento
        
         O desprendimento e a renúncia estão estreitamente ligados à prática da vida cristã.  Desde criança, somos introduzidos, por nossos pais, à prática de pequenos sacrifícios, como exercício para tornar o corpo são e forte. Pela renúncia, escreve Evágrio, “o corpo torna-se ligeiro, alegre e munido de asas”. Daí o fato de S. João Batista ser representado nos ícones com asas.
Muitos outros termos, que remontam às tradições pré-cristãs, foram adotados pelos cristãos para designar a renúncia, como purificação, ascese, mortificação e domínio de si mesmo. Sem cair no estoicismo ou no maniqueísmo, a renúncia significa seguir o Senhor por ser Ele, e não os bens materiais e as paixões desordenadas, o centro da vida cristã. Renúncia ou penitência constitui a força renovadora e criativa, o dinamismo de uma vida capaz de sempre se renovar, deixando “o divino Mestre, no dizer de Orígenes, liberar do meio das areias, presentes no fundo da alma, o poço de água viva, na qual se vislumbra a imagem de Deus escondida em nós”.
         Segundo a interpretação de S. Jerônimo, “abraça-se a renúncia por causa de Jesus”, mas também “por causa de nossa união com Ele”, o que leva Orígenes a exclamar: “Eu vivo, mas não mais eu: eis as palavras de um homem (S. Paulo) que negou a si mesmo, que perdeu sua própria vida e acolheu nele o Cristo para que o Cristo vivesse nele. Cristo vive nele como Justiça, Sabedoria, Santificação. Ele é a sua Paz e nele o Poder de Deus opera todas as coisas”.
A renúncia não resulta do medo de viver e do ócio da vida, como talvez interpretasse Nietzsche, mas brota de um coração livre de toda ganância, movido pelo desejo de estar aberto a Deus e ao próximo. É expressão da bela aliança entre o amor e a liberdade espiritual. Assim, sendo resposta humana ao amor de Jesus, a renúncia nos permite vencer obstáculos insuperáveis para alcançar a verdadeira vida cristã e participar da recompensa a nos ser concedida no final dos tempos, também já agora, como bem observa S. João Cassiano. Diz ele: “Quem renuncia, por causa do Senhor, pai, mãe, filho, para entrar no verdadeiro e puro amor de todos os servidores de Cristo, recebe cem vezes mais em irmãos e pais. Porque em vez de um só pai, de um só irmão, terá doravante uma multidão que está unida a ele pelos laços de afeto muito mais ardente e elevado”.
Aos que interpretam a renúncia como negação da “vontade de viver”, diríamos ser ela, pelo contrário, resposta de amor, fruto da audácia de se viver na bondade e na misericórdia divina. Ela libera a força interior da natureza humana em seu desejo de felicidade e de comunhão com Deus. Pela prática ascética, nossos corações são plenificados e, no Senhor, encontramos alegria, paz e tranquilidade interior (hesequia), pois “a estreiteza da natureza humana é vencida pelo amor” (S. Máximo o Confessor). A caridade presente em nós impele-nos, pela renúncia, sem qualquer impedimento, à própria perfeição do Pai. Passamos das belas e abençoadas realidades da vida, que são fundamentalmente boas, para uma plenitude de vida e de doçura, no amor sincero até mesmo aos nossos inimigos. É a loucura do homem que, em Cristo, participa do fogo do Espírito divino, que o torna ícone da paternidade divina.  


Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM

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