Reflexão do Evangelho de Sábado – 15 de Março

Reflexão do Evangelho de Sábado – 15 de Março
Mt 5, 43-48 - Amor aos inimigos
        
Oculto em sua humanidade, o Filho de Deus dá-se a conhecer como “suprema epifania” do amor incomensurável de Deus, que nos purifica de nossas faltas e pecados. Exclama S. Agostinho: “Ele nos conduz àquela luz que nossos olhos não conhecem. O olhar interior, preparado, permite-nos ver a luz que ninguém pode obscurecer”. E nós, ao contemplarmos a beleza e a graça de Cristo, sentimos um dardo de amor atingir o nosso coração e aprendemos a amá-lo sempre mais.   
        Verifica-se, então, em nós uma associação total ao Mestre, uma assimilação de nossa vida à sua vida, toda dominada pelo amor (ágape). Nele amamos a Deus e, no mesmo amor, concedido a nós por Ele, amamos o próximo. Eis a chave de nossa esperança, que abre a porta do nosso coração para o novo horizonte do povo de Israel, renovado por Ele. Vivemos o amor-doação (ágape), sem negar a afetividade (eros), força natural para o bem, que confere asas à alma e a eleva ao belo e à felicidade. Com efeito, Jesus estende a comunhão para além de todas as fronteiras, incluindo nela os pagãos e mesmo os inimigos. Entre o éros, força presente no coração humano, e o amor divino (ágape), existe uma relação intrínseca, uma “conaturalidade” à condição humana, podendo-se dizer que a realidade humana (eros), sem o amor divino (ágape), não chegaria à sua perfeição, seria um corpo sem alma. Como também, o amor divino sem a afetividade humana (éros) seria uma alma sem corpo. Assim, na força totalizante e unitária do amor-caridade, somos amados por Deus e o amamos com o próprio amor, comunicado por Ele a nós.
         Portanto, sem qualquer receio, os primeiros cristãos proclamam a total compatibilidade do éros e do ágape, colocando-os no interior mesmo do mistério da salvação. Em outras palavras, embora não deixem de assinalar a degeneração do éros em práticas religiosas ou cultos idolátricos, não para negá-lo, mas para propor a sua purificação, eles acentuam a unidade do amor presente na criação e na história da salvação. Nesse sentido, grande foi o mérito de Orígenes, que destaca, na interpretação do Cântico dos Cânticos, a acepção mística e espiritual do éros, ao estabelecer as relações Logos-alma, Cristo-Igreja.  A mesma unidade encontra-se no Pseudo Dionísio Areopagita, ao referir-se à Bondade e à Beleza: “O que é Belo e Bom, diz ele, é desejável (erastóv), apetecível e amável (agapetón)”.
A visão unitária e ampla do amor não nos permite viver num mundo isolado, leva-nos a ir além dos membros de nossa família ou dos membros de nossa própria raça, para amarmos a todos, mesmo, os nossos próprios inimigos. Na grandeza e beleza do significado do amor, realizam-se as palavras de Jesus: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Se, do ponto de vista meramente humano, alguém julgasse ser impossível efetivar semelhante amor, diríamos: o amor não provém apenas do alto, sem vínculos com a realidade humana, pois o éros, amor do homem ao bem e à beleza, não se separa do ágape, do amor salvador de Deus, que é o nosso Criador. Seguidores do Senhor, nós não vemos o mal que o outro nos faz, mas sim o mal presente em sua vida, prejudicando-o e afastando-o de Deus. Por isso, na prática do bem, esforçamo-nos para que ele se volte para o Senhor e caminhe de acordo com os divinos ensinamentos.


Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM

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