Reflexão do Evangelho de Domingo – 23 de Março
Reflexão do Evangelho de Domingo – 23 de Março
Jo 4, 5-15.19-26. 39-42: Jesus e a
samaritana
Os quatro
Evangelhos, canônicos desde a metade do 2º século, dividem-se em duas partes,
Mateus, Marcos e Lucas em um grupo e o Evangelho de S. João, isoladamente, em
outro. Os três primeiros são denominados sinóticos por se prestarem a uma visão
conjunta, isto é, cada um apresenta uma grande parte em comum com os outros, não
só quanto ao conteúdo, mas também no modo de relatá-lo e de expressá-lo. O mesmo não acontece com o Evangelho de S.
João, que difere notadamente dos demais, razão pela qual, Clemente de
Alexandria o designa como Evangelho “espiritual”.
Se os
sinóticos apresentam Jesus como o anunciador do Reino de Deus, em S. João,
Jesus anuncia a si mesmo, melhor, Ele se revela como aquele que, pelo fato de
assumir nossa humanidade, inclui nele todos nós. Se o evangelista S. João
sublinha expressamente a divindade de Cristo, ele é também aquele que melhor
certifica a realidade de sua humanidade. Mais do que os outros, ele traça o
rosto humano de Jesus. Deveras, no seu Evangelho, deparamos com Jesus, “fatigado
da caminhada” que Ele tinha feito, comovendo-se e chorando diante do túmulo do
amigo Lázaro e tantos outros exemplos. Os relatos bíblicos irradiam sua união
conosco, em uma solidariedade não só moral, mas também real, ontológica, de
modo que não podemos nos sentir abandonados e excluídos, pois vindo a nós, Ele
“fornece à natureza humana, por meio de seu próprio corpo, o princípio da
ressurreição, ressuscitando com o seu poder todo homem” (S. Gregório de Nissa).
Ao assumir nossa humanidade, incluindo-nos nele, Ele nos eleva à comunhão
perpétua com o Pai. Nele, todos nós podemos receber e beber “a água viva”, que
jorra para a vida eterna.
O Evangelho de
hoje relata-nos que “fatigado, Jesus sentou-se junto ao poço”. Exclama S.
Agostinho: “Estamos à porta dos mistérios: não é por acaso que Jesus se fatiga,
não é por acaso que se fatiga o Poder de Deus. Não se fatiga por acaso, aquele
cuja ausência nos esgota, cuja presença nos fortalece. E, no entanto, Jesus se
fatiga (...). Queres conhecê-lo fraco? O Verbo se fez carne, e habitou entre
nós. O Poder de Cristo te criou, a fraqueza do Cristo te recriou. A força de
Cristo fez que o que não existia, existisse; a fraqueza do Cristo fez que o que
existia não perecesse. Por seu poder ele nos criou; por sua fraqueza eles nos
procurou”. Naquele instante junto ao
poço Ele procura. Mas a quem? “E eis que uma mulher samaritana chega para
buscar água”.
As mulheres
normalmente iam à fonte nas primeiras horas da manhã enquanto não se fazia
muito calor. Porém, aquela mulher escolheu o meio-dia para escapar do contato
público. Jesus não a rejeita, nem demonstra qualquer estranhamento, mas,
rompendo as barreiras de nacionalidade e os costumes rígidos do judaísmo, proclama
que o Evangelho é para todos. Àquela mulher estrangeira e pecadora, suas
palavras demonstram carinho e misericórdia, pois ninguém está impedido de
alcançar a salvação, não se nega a ninguém o amor generoso e gratuito de Deus. Criada
por nós, a única barreira possível é o pecado, que se expressa no orgulho
obstinado e na rebelião determinada.
O poço de Jacó
na Samaria é bastante profundo, de sorte que S. João, só ele, o chama de fonte,
o que ele é de fato, apesar de sua profundidade. Ao pedir água à samaritana, Jesus
refere-se não só à sede física, mas, como comenta S. Agostinho, “aquele que
pedia de beber tinha sede da fé daquela mulher”. Sede bem maior que vai além da
água da fonte e que só é saciada pelo Espírito divino, que, de escravos,
torna-nos filhos adotivos, filhos de Deus. O Espírito é a água viva, oferecida por
Jesus à Samaritana, que aplaca a sede mais profunda de seu coração e a leva,
observa S. João Crisóstomo, “a assumir o papel dos Apóstolos: anunciar a todos a
vida nova, que é Jesus” (S. João Crisóstomo).
Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM
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